Sobre a saudade... e a nossa memória.
- Henrique Dumay
- 13 de dez. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 18 de dez. de 2019

Dias desses lembrava de alguns bons momentos que vivi nestes últimos anos. Repassei tantas lembranças que me trouxeram um sorriso ao rosto e um sentimento de carinho e saudosismo ao peito. Comecei a refletir e cheguei a conclusão que todos estes momentos tinham uma coisa em comum: foram vividos em conjunto! Lembro de bons momentos que tive sozinho, sim, mas aqueles momentos que me tomaram o ar e que desejei que se repetissem, todos eles ocorreram acompanhado por pessoas.
A saudade da infância vem quando lembro de andar de bicicleta com meu pai (e ele mal conseguia subir na bicicleta!), quando minha mãe nos buscava no colégio e passávamos em algum lugar pra lanchar ou quando eu passava as férias na casa da minha avó, provando seus quitutes cheios de carinho e convivendo com primos e amigos. A saudade do colégio vem dos encontros às tardes e das rodinhas de violão, cercado por amigos que não tinham qualquer preocupação além daquele momento. Quando eu lembra da faculdade, lembro de momentos de descontração, de happy hours nos centro acadêmicos, de truco antes da aula e de união para estudo ante uma prova difícil. Será, então, a saudade uma construção social?
Longe de conseguir responder a esse questionamento, acho interessante observar a (escassa) produção científica a respeito do tema. Zuzanna Bulat afirma que frequentemente é dito que a palavra saudade teria originado-se, entre outras explicações, na Época do Descobrimento, quando portugueses partiam em jornadas rumo ao desconhecido e nunca mais retornavam, deixando uma sensação de sofrimento e de ansiedade pelo seu retorno. A autora afirma, ainda, que a saudade parece recair em algum lugar entre a felicidade e a dor. Ao lembrar de todos aqueles bons momentos, consigo compreender exatamente o que ela quis dizer. E, novamente, voltando ao ponto inicial, parece estar relacionado ao nosso coletivo.
A saudade, entretanto, não parece estar relacionado diretamente somente com os eventos vividos. Adriano do Nascimento e Paulo Menandro, em seu trabalho Memória social e saudade: especificidades e possibilidades de articulação na análise psicossocial de recordações, afirmam que é "(...) considerado muitas vezes como elemento diretamente relacionado a uma forma mais idealizada de se ver o passado e, portanto, encobridora de elementos que remeteriam a uma avaliação mais “concreta” dos fatos vividos, uma espécie de ruído no discurso de memorialistas (...)".

A literatura científica corrobora essa observação ao conceituar os processos mnêmicos associados a formação das memórias, sua consolidação e recuperação. Temos hoje evidências de que nossa memória é tendenciosa, imperfeita e distorcida (Michael S. Gazzaniga, Todd F. Heatherton) e de que o esquecimento ocorre devido a interferência de outras informações. Sabemos, ainda, que estruturas cerebrais relacionadas à emoção, como a amígdala, são ativadas quando lembramos, por exemplo, de filmes que nos emocionam, não havendo a mesma ativação quando lembramos de filmes neutros. Essa característica de nossa memória, entretanto, pode trazer problemas quando não conseguimos nos livrar de memórias emocionalmente fortes e que nos trazem sofrimento, o que ocorre nos casos de transtornos de estresse pós-traumático.
Outro ponto a considerar: nossas memórias regularmente geram lembranças falsas. No caso de nossa infância, será que toda nossa saudade se refere a fatos que realmente ocorreram ou construímos a lembrança a partir de fotos e histórias de nossos conhecidos? As pessoas podem, ainda, ser levadas a reconhecer fatos que não ocorreram e, ainda, podem construir a memória alterando os fatos ocorridos de tal forma que a lembrança tenha consistência com suas crenças e atitudes.
Independente de como formamos nossa memória e de toda nossa falibilidade, uma lembrança que gere saudade é uma experiência humana extremamente importante. Esse misto de alegria e dor, de cor e sombra, de ter ocorrido e não mais ocorrer, colore nossa experiência afetiva e... suspiro! Poxa, dá saudade!
E você? Alguma memória afetiva pra compartilhar com a gente?