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Por que você deveria estudar menos e dormir mais?

  • Foto do escritor: Henrique Dumay
    Henrique Dumay
  • 17 de dez. de 2019
  • 4 min de leitura

Atualizado: 18 de dez. de 2019


O professor associado de psiquiatria da Universidade de Harvard Robert Stickgold costuma iniciar suas palestras com um conto de fadas dos irmãos Grimm chamado o Sapateiro e os elfos. Para contextualizar, um sapateiro que só tinha couro pra fazer um único par de sapatos adormeceu e, quando acordou, havia um sapato pronto, impecável, a sua frente. De tão bom, o sapateiro conseguiu um bom dinheiro e assim foi obtendo sucesso em seu negócio. Descobriu que eram elfos que faziam os sapatos para ele. Bem, na vida real, o que o Professor Robert quer dizer é que nosso sono não é um período de inatividade, que as coisas, de fato, ocorrem a noite! Enquanto descansamos nosso corpo , nosso cérebro entra em uma fase ativa de (pasme!) trabalho! Dessa fase, depende a integridade várias funções mentais que utilizamos durante o dia, especialmente a memória e a criatividade.


Para exemplificar a importância do sono para a criatividade, conta-se que Paul McCartney compôs a melodia de Yesterday durante seu sono, que Salvador Dali costumava dormir segurando uma chave para ser acordado assim que ela caísse e que August Kekule, apesar de alguma divergência, teria sonhado com um cobra mordendo a própria cauda, o que deu origem à estrutura química do Benzeno. Posso me incluir e contar como, durante o sono, resolvi um problema de matemática com o qual lutava por semanas a fio?



Já em relação a memória, é importante apontar que ela compreende três grandes processos: a codificação, a consolidação e a recuperação. Na primeira, os estímulos são percebidos e formam traços de memória bastante voláteis; na consolidação, esses traços de memória são transformados em memórias de longa duração que serão, por fim, quando acessíveis, recuperados para utilização (McGaugh, 2000). É durante o sono que a fase de consolidação ocorre. As evidências científicas de que o sono determina a consolidação da memória acumulam-se e deram lugar um modelo de sistema de memória em dois estágios que foi bem sucedido em explicar como nosso cérebro poderia aprender novas informações sem esquecer antigas memórias. Esse modelo sugere que a memória inicialmente é armazenada em um compartimento de curta duração em uma forma instável, vulnerável a interferência de novas informações. Com o passar do tempo, essas memórias serão incorporadas em um compartimento de longa duração, sem que sejam apagadas as antigas memórias. Esse processo tem a participação primordial do sono, quando as novas memórias são fortalecidas e incorporadas a nossos esquemas mentais.


Em 1885 (há mais de um século atrás!), um pesquisador chamado Ebbinghaus publicou uma série de estudos que realizou utilizando palavras pareadas que concluíam por uma curva de esquecimento, que ocorria rapidamente nas primeiras horas após a aprendizagem e atingiam um platô após alguns dias. A surpresa foi que, quando o sono ocorria no intervalo de retenção, o esquecimento era nitidamente reduzido. Estudos semelhantes foram conduzidos após com resultados semelhantes e mostraram que o aprendizado durante a noite, antes de dormir, resultava em menor esquecimento após 24h, quando comparado ao mesmo período de vigília. Então é melhor dormir do que ficar acordado? Tudo indica que sim! Outro estudo sugeriu que havia maiores efeitos quando o sono ocorria até 3h após o aprendizado quando comparado com um período maior que 10h ao aprendizado. Uma explicação pode ser a proteção do sono contra uma interferência futura, o que foi demonstrado empiricamente.



Mas qualquer sono vale? Passou-se a investigar o papel de cada fase do sono na consolidação da memória. Historicamente, o sono REM (rapid-eye moviment) sempre foi considerado importante para a memória, especialmente pela atividade elétrica vista em exames de eletroencefalografia e pelo relato de sonhos vívidos nesta fase. Evidência empírica foi juntada a essa ideia quando se observou que animais que foram submetidos a vários tipos de aprendizagem exibiam maior quantidade de sono REM e que animais que tinham a quantidade de sono REM aumentada artificialmente também exibiam uma melhora da memória em testes específicos. Além disso, a supressão do sono REM parecia prejudicar o desempenho em alguns testes. Foi proposto, até mesmo, que o aumento do sono REM durante períodos de tempo específicos após a aprendizagem prediriam aqueles que aprenderam dos que não aprenderam.


Mas então está tudo certo! Calma! Apesar de inúmeros estudos com animais, os estudos com humanos sobre o papel do sono REM no processamento da memória mostraram-se inconsistentes e limitados a tarefas específicas, especialmente relacionada a memória procedural. Enquanto isso, outra fase de sono, a de ondas lentas, estaria associada à memória declarativa.


Em 1983, foi publicado um artigo na revista Nature que implicava o sono no processo de eliminação de informações não utilizadas, processo que tem participação especial dos sonhos ocorridos durante o sono REM. Seria um modelo de reorganização das sinapses, onde conexões anômalas seriam enfraquecidas. Em novo artigo, agora em 1995, os autores propuseram que os sonhos reduziriam a formação de memórias não desejáveis, aumentariam a capacidade de aprendizado após o despertar e facilitariam a recuperação das informações obtidas antes de adormecer.


Lembram das experiências de Paul McCartney, Salvador Dali, Kekule e a minha própria? Pois bem, foi demonstrado que o sono REM está associado a criatividade e que resultaria em uma melhora no desempenho de tarefas de resolução de problemas. Se com tudo isso eu não consegui te convencer que o sono é (MUITO!) importante para a formação da nossa memória, bem, talvez esqueçamos logo isso tudo depois de tantas noites em claro!




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