Falando sobre tristeza e depressão, mas, afinal, o que é humor?
- Henrique Dumay
- 24 de dez. de 2019
- 3 min de leitura
A sutil diferença entre humor e afeto e como os percebemos em nossa vida.

Essa poderia ser a história daquele nosso amigo que vivia sempre por perto. Cruzávamos-nos pela escola, faculdade, trabalho... uma pequena conversa no intervalo das aulas, no intervalo do café, nos pequenos intervalos da vida. Não era tão próximo, porém, estava sempre por perto. Talvez não tão perto, já que ele foi sumindo e, no início, não notamos. Se logo de cara não percebemos a distância, como então poderíamos sobreviver ao simples e fatídico transcorrer do tempo? Não percebemos! Só nos demos conta de que há muito não conversávamos quando alguém comentou nas conversas de corredor sobre ele. Diziam que ele se afastara das atividades por conta da depressão e eu, que nunca sentira nada assim, não conseguia entender o que isso significava. Tenho certeza que qualquer pessoa que já sofrera com esse mal poderia descrever com minúcias o que essa palavra significava, mas, como explicar para alguém que nunca passara por isso, o que seria a depressão? Certamente não bastaria dizer que a sensação seria parecida com a fratura de ossos experimentada durante dias a fio, juntamente com um aspirador super potente que drena absolutamente todas suas forças, um óculos que escure seus dias e que esvaece todos seus sonhos e o desejo de fazer qualquer coisa. Não parece uma coisa boa, eu sei, mas é difícil entender a dimensão disso tudo.
Poderíamos iniciar essa conversa tentando entender o que é o humor. Palavrinha simples, cinco letras que fazem parte do nosso cotidiano, mas, vamos lá! Tente conceituá-la. Não parece muito fácil, não é mesmo? Esses subjetivos abstratos muitas vezes nos pegam de jeito, especialmente estes relacionados a sensações internas tão triviais e tão complexas ao mesmo tempo. Agora pense em afeto. Só vem a cabeça o carinho, não é mesmo?
Vou dar algumas instruções e gostaria que você seguisse. Gostaria que você imaginasse uma paisagem muito bonita, mas muito bonita mesmo! Vamos lá? Feche os olhos por alguns minutos e se concentre nesta imagem!
Para exemplificar, vou ilustrar com uma imagem. Tenho quase certeza que na sua paisagem deve ter uma grama bem verde e árvores cujas flores contrastam com as folhas. Talvez um lago? Certamente um lago bem azul... ou verde... mas um verde bem bonito! O céu deve ser azul também. Será que esse azul é só um reflexo do lago? Pode ser que haja uma casinha ali no canto, pode ser que não. Agora que você falou em casa, acredito que uma casa possa vir a calhar. O dia deve estar claro ou com algumas nuvens. O sol, mesmo que não apareça, se faz presente, fazendo uma parte do nosso cenário brilhar. O tempo é gostoso, nem quente, nem fio (ou um pouco quente, ou um pouco frio, de acordo com o seu gosto)... Céus! Eu gostaria de ficar um bom tempo sentado nessa grama, vislumbrando essa paisagem. A sensação que vem é boa, sinto paz e uma alegria no coração.

De repente, essa é a definição do nosso afeto. Esse estado passageiro que vivenciamos e sentimos (principalmente sentimos!) de acordo com aquilo que pensamos. Interessante que, de acordo com aquilo que estamos vivendo no momento, ao pensar nessa paisagem, ela pode ser bem diferente. Talvez ela venha carregada de um certo saudosismo, talvez traga sensações há muito não sentidas. Pode ser alegre - um reflexo do nosso bom dia-a-dia -, ou um pouco mais triste e bem menos colorida. Quando falamos de afeto, talvez falemos exatamente dessa sensação que nos vem à cabeça (ou ao coração) quando estamos diante de algo que mexe conosco! O afeto seria exatamente esses sentimentos que acompanha nossas representações mentais. Esse sentimento, entretanto, não costuma ser desconectado daquilo que estamos vivendo (e sentindo): o humor. O humor, por outro lado, é esse nosso estado basal, nosso estado de ânimo, nosso tônus afetivo ou a disposição afetiva de fundo que penetra toda nossa experiência psíquica (Dalgalarrondo).
Voltem a nossa imagem. E se, ao invés daquela imagem colorida, pensássemos em uma imagem em preto-e-branco?

Aquela grama verde, aquela árvore cujas flores contrastavam com as folhas, a água azul que refletia o céu com uma pequena casa no canto. Não conseguimos enxergar nada mais daquilo. De repente, toda a alegria que sentíamos enquanto descrevíamos a paisagem anterior se foi. Estranho que estamos, ainda, retratando a mesma paisagem. Não parece! Nessa eu não gostaria de ficar muito tempo... Mas como a sensação pode ser diferente se estamos vendo exatamente a mesma paisagem?
É isso que o humor faz com a gente! Colore afetivamente nossa experiência. Colore afetivamente toda nossa vida! Agora, voltando ao nosso amigo do início deste texto, já imaginou como seria viver eternamente vendo tudo preto-e-branco? Nós nunca, de fato, sabemos o que se passa na vida do outro. Agora, talvez, consigamos nos colocar um pouquinho no lugar do outro quando ouvimos sobre o assunto e, ainda talvez, ter um pouquinho de compaixão. Depressão é um pouco isso...